segunda-feira, 2 de março de 2015

Senhor dos (meus) Passos

No primeiro dia de março do ano de 2015 ocorreu a solenidade do Senhor dos Passos na cidade da Horta.

A propósito lembrei-me, agora, desta celebração num dia em que nela tive especial (para mim) participação.

Foi há... 20 e tal, talvez 30 anos!

Antes da procissão, na igreja de São Francisco, celebrou-se a missa, onde escutei provavelmente pela última vez num sermão o saudoso padre José Correia da Rosa.

Perante uma assembleia repleta arrebatou-se na grandeza da sua voz, profunda e inflamada, brotando daquele corpo mesquinho. Um contraste que sublimava a incomparável presença no ambão (não cheguei a vê-lo no púlpito, mas sem ter vivido esse tempo parece-me sentir dele saudades).

O padre Júlio da Rosa, terminada a eucaristia, procurou no fundo da igreja voluntários para levarem o andor do Senhor dos Passos que percorreria as principais artérias da cidade, numa tarde melancólica, coberta de nuvens densas e escuras.

Cheguei-me à frente, com toda a generosidade dos meus 20 anos bem feitos, sem ter a mais ténue consciência de que naquele domingo cinzento iria sentir, na carne, a Via Sacra que neste tempo evocamos.

Apesar de haver suplentes, talvez pela minha juventude, nanja pelo perfil franzino que apresentava (e ainda apresento), fui quase sempre titular nessa dolorosa caminhada entre a confiança na bondade de Jesus Cristo e a dúvida sobre se teria abandonado este Seu servo.

Os que só conhecem de vista a imagem e o andor do Senhor dos Passos perante quem hoje ajoelhamos na Matriz da Horta deixar-se-ão enternecer e cativar em devoção àquele madeiro. A minha relação com este Jesus é menos afável...

Para mal (ou talvez bem) dos meus pecados a dita representação d'Ele com a Cruz às costas mostrou-me bem (salvas as devidas distâncias e a ousadia da comparação) quanto Cristo padeceu no curto, em distância, mas longo em sofrimento, caminho do Calvário.

Tive o desplante e a falta de humildade de, em tal dia, ao longo das ruas Conselheiro Medeiros e Walter Bensaúde, julgar-me tão vitimado quanto o Filho da Virgem das Dores, mas outro pensamento não me entrava na cabeça.

É que os Simão de Cirene que me acompanharam mediam todos mais de 1,70 m (o registo do meu Cartão de Cidadão) e boa parte deles não teria ido à tropa. Os passos desacertados e a inclinação dos troncos que sustentam a enorme figura do Filho de Deus claudicando fizeram-me sentir dezenas de quilos sobre o meu ombro direito, as costas, as "cadeiras" (como dizia minha avó), as pernas, os joelhos e os pés.

Não perdi a fé, pois acredito que Deus escreve direito por linhas tortas. Atento à Sua voz, como manda a Igreja Católica, quis perceber que o Senhor me mostrou que só dá nozes a quem não tem dentes na ausência da mínima noção das nossas capacidades.

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