quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Um discurso inaudito

Um hospital, mais ligações aéreas diretas para o continente e uma Secretaria Regional do Ambiente. Três reivindicações expressas na abertura da Semana dos Baleeiros por Roberto Silva, na sua qualidade de primeira figura do município das Lajes do Pico.

Gostaria de enviar daqui o meu total apoio ao presidente da Câmara Municipal das Lajes do Pico. Não, evidentemente, por tão destemido discurso - pois essa é a sua obrigação enquanto representante dos interesses de quem o elegeu -, mas pela justeza das suas pretensões.

Não vejo por que se não há-de alterar o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e criar a possibilidade de também a ilha do Pico poder ver ali sediado um departamento governamental, como acontece no Faial, na Terceira e em São Miguel e não vislumbro que razões sérias justificam que o visível crescimento turístico da ilha do Pico não seja acompanhado da melhoria da acessibilidade, designadamente por via aérea.

Finalmente desejo firmemente que um picaroto possa aceder com as mesmas facilidades do que eu ao Serviço Regional de Saúde, dispondo na sua ilha de um hospital.

Para quem não ouviu ou leu o discurso de Roberto Silva informo que o móbil das suas palavras foi o facto de a Câmara Municipal da Horta defender uma nova forma de redistribuição de verbas da União Europeia.

O município faialense sente-se prejudicado por ter recebido em 2013 à volta de € 10.000.000,00, enquanto os três municípios da ilha do Pico receberam, em conjunto, perto de € 21.000.000,00. Uma queixa, recorde-se, que não é nova, pois antecessores do presidente da Câmara Municipal da Horta também levantaram o problema.

Diz a Horta que por ser um só concelho numa só ilha sai prejudicada, nomeadamente em relação ao Pico, cujo número de habitantes é idêntico (embora, em área, o Pico seja mais de duas vezes e meia maior do que o Faial, acrescento eu).

Tal como manifestei o meu acordo em relação às pretensões de Roberto Silva, também me parece plausível a posição do município da Horta.

Acontece, todavia, que o presidente da Câmara Municipal das Lajes do Pico, na cerimónia já referida, aproveitou para inflamar ódios antigos, conforme hoje escreve, com oportunidade, o jornal Incentivo na sua manchete.

Pegou na questão das verbas comunitárias, passou para as revindicações atrás mencionadas e desferiu um ataque inaudito ao Faial, que por diversas vezes sublinhou ser uma ilha pequena, em oposição à grandiosidade do Pico.

Abstenho-me de comentar os termos e as intenções do discurso do presidente do município das Lajes do Pico pois são eloquentes [ver discurso completo em baixo, extraído do Facebook, publicado na página da autarquia].

Não termino, no entanto, sem relevar o final do discurso:

"Peço a Nossa Senhora de Lourdes, que protegeu os nossos botes baleeiros e as suas companhas, e bem assim as suas famílias, que nos proteja dos ataques de inveja, de soberba e de avareza de espírito, iluminando o caminho da construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna."

Proferida no ambão da Matriz das Lajes do Pico, com uma imagem de Cristo em realce, esta tirada evidencia ainda mais quão inoportuna, infeliz e lamentável foi a intervenção de Roberto Silva, num contraste confrangedor com o local escolhido para ser proferida.

SEMANA DOS BALEEIROS 2014 - Discurso de abertura
A Festa em honra de Nossa Senhora de Lourdes, no ano de 2014, decorre envolta em marés de constrangimentos financeiros, num concelho que não teve demasiada sorte com o seu nascimento das entranhas do mar, na última ilha açoriana a ser criada por Deus, que por ser tão grande e tão bela, continua a sofrer ataques da ilha vizinha como se ainda vivêssemos no tempo do ex-distrito. Mas, nós somos a segunda maior ilha açoriana e a mais alta dos Açores e de Portugal, não somos uma ilha pequena, como nos apelidam vezes sem conta, nem vivemos num tempo em que uma ilha do canal tudo tinha e a outra não existia, apesar de se ver bem acima do mar, porque uma pequena ilha é uma pequena ilha e uma ilha grande é uma ilha grande.
É inaceitável a avareza orçamental dos vizinhos do canal que querem, à custa dos concelhos do Pico, receber mais verbas como se fossem uma grande ilha, quando são uma ilha pequena. É inaceitável que uns, que já tudo têm, continuem a querer ainda mais, seguindo a prática da submissão política do tempo do ex-distrito. É incompreensível que ainda haja quem finja não perceber a dimensão do Pico no contexto dos Açores.
Mas cá estamos nós para explicar, com a frontalidade dos homens do Pico, o lugar que o Pico ocupa no novo pensamento estratégico no desenvolvimento dos Açores, em que as câmaras municipais contribuem de modo decisivo para essa afirmação.
É o caso da saúde. Hoje, passados 5 séculos sobre a chegada do primeiro ser humano a esta vila e a esta ilha, estamos muito perto de ter um hospital de ilha que trate os nossos doentes com qualidade. E é preciso entender que é melhor ter um hospital na ilha do que ter de sair da ilha para resolver os problemas de saúde, desde que o novo hospital dê uma resposta adequada, diferenciada, a quem precisa de cuidados de saúde. Na verdade, o que é deveras importante é termos um hospital na ilha, com profissionais de saúde e tecnologias de diagnóstico e tratamento que evitem, na medida do possível, a saída da ilha com todos os constrangimentos que isso implica.
É o caso das ligações aéreas com Lisboa. A ilha do Pico, com uma natureza ímpar no contexto dos Açores, com a fantástica Montanha, com a única natureza açoriana classificada pela Unesco e com uma dimensão ambiental de altíssimo nível, tem apenas duas ligações aéreas por semana quando o Faial tem duas ligações por dia, mas a evolução desta situação tenderá no sentido do Pico ter tantas ligações aéreas por semana como o Faial.
É o caso da distribuição geográfica do poder político do Governo Regional, que nas tábuas da Constituição Portuguesa apenas é possível nas ilhas de São Miguel, Terceira e Faial. Neste âmbito, ambicionamos por um novo mapa político na distribuição das Secretarias do Governo Regional, que vá para além das três ilhas capitais, tal como está consagrado no Estatuto Político Administrativo dos Açores e na Constituição. A extraordinária singularidade da natureza do Pico que lhe confere o estatuto de ILHA AMBIENTE torna natural a instalação, nesta ilha, da Secretaria Regional do Ambiente, após a necessária revisão constitucional.
Que a tradição e a fé seculares em Nossa Senhora de Lourdes, que deram aos baleeiros a coragem, a audácia e o espírito de luta para garantir a sua sobrevivência e das suas famílias veiculem o ensinamento a todos, em especial aos jovens, que a nossa vida exige sacrifícios e a capacidade para lutarmos pela construção do caminho do progresso da nossa sociedade e da felicidade, e que é necessário interiorizar uma cultura de querer lutar e de querer fazer.
E neste momento tão especial, peço a Nossa Senhora de Lourdes, que protegeu os nossos botes baleeiros e as suas companhas, e bem assim as suas famílias, que nos proteja dos ataques de inveja, de soberba e de avareza de espírito, iluminando o caminho da construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna.
É com esta prece que declaro solenemente a abertura da Semana dos Baleeiros 2014 e lhe faço o convite para visitar as Lajes do Pico, a Vila Baleeira dos Açores!
Lajes do Pico, 25 de Agosto de 2014
O PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL
ROBERTO SILVA

2 comentários:

  1. Se nao ha um Hospital no Pico,deve-se as tres camaras,que lutam entre si por um!

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  2. E para que querem 3 hospitais na Ilha do Pico? Para não funcionarem convenientemente e terem que ir para o Faial, como é hábito? Só um e bem apetrechado seria o ideal, não precisando de ir para o Faial, com a agravante em que dias de mar com tempestade ficarem em terra e morrerem por falta de assistência.Estarei errada?...

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